Especial Racionais MC’s – Holocausto Urbano: “A culpa é do sistema”

“Aqui é Racionais MC’s: Ice Blue, Mano Brown, KL Jay e eu, Edi Rock”. Essas são as palavras iniciais do disco “Holocausto Urbano”, o primeiro álbum do maior grupo de rap do Brasil, lançado em 1990. Os quatro nomes apresentados de cara ao público são os mesmos até hoje e eles continuam firmes no propósito de “sempre transmitir a realidade em si”.Capa do CD

É possível perceber nas seis músicas do disco de estréia a gênese do que será cantado pelos Racionais nas décadas seguintes. Todos os temas estão lá: violência policial, a falta de perspectiva de quem mora na periferia, conselhos para não seguir a vida do crime, o problema causado pelo preconceito racial e a, digamos, relação estreita entre mulher e dinheiro.

Em “Holocausto Urbano”, ficam claros os responsáveis por todos os problemas da periferia: o “sistema” e o egoísmo dos indivíduos. Na música “Hey Boy”, por exemplo, Ice Blue e Mano Brown cantam “o sistema é a causa/ e nós somos a conseqüência/ maior da chamada violência”. Já em “Tempos Difíceis”, Edi Rock diz que “o domínio está em mão de poderosos, mentirosos/que não querem saber/ porcos, nos querem todos mortos”.

Uma curiosidade deste álbum é a pouca referência à questão das drogas nas periferias. Se em “Sobrevivendo no Inferno” o crack e o pó ganham destaque, neste disco os entorpecentes são citados genericamente e só há uma alusão indireta à maconha em “Hey Boy” (“enquanto nós conversamos, a polícia apreende o fumo”).

Abaixo, confira a análise de todas as faixas:

1 – Pânico na Zona Sul: o pânico a que se refere o título da música é aquele causado pela violência, tanto a dos policiais quanto a permitida por eles (“e a polícia não demonstra sequer vontade/de resolver ou apurar a verdade/pois simplesmente é conveniente/e por que ajudariam se eles os julgam deliquentes”).

Essa violência precisa ser denunciada, e é isso que os Racionais pretendem: transmitir a realidade da periferia até a situação mudar (“quantos terão que sofrer pra se tomar providência?”). Mesmo descrevendo um quadro desesperador, eles dão uma dica sobre como sobreviver (“a mudança estará em nossa consciência/praticando nossos atos com coêrencia” e “honestidade nunca será demais/sua moral não se ganha, se faz”).

A letra é de autoria de Mano Brown, morador da Zona Sul do título, e a batida é sampleada do clássico “Funky Drummer”, de James Brown.

2 – Beco sem Saída: “às vezes eu paro e reparo, fico a pensar, qual seria meu destino senão cantar, um rejeitado, perdido no mundo, é um bom exemplo…”. Esse talvez seja o primeiro rap brasileiro a citar o hip hop como agente transformador da periferia, tema muito batido atualmente. 

O autor da música, Edi Rock, sabe bem o que diz. Antes de se tornar uma das mais importantes figuras do rap nacional, ele chegou a trabalhar como servente de pedreiro (confira esta entrevista). Com o sucesso do grupo, conseguiu fugir do “beco sem saída”.

 Assim como em “Pânico na Zona Sul”, mais uma vez temos sugestões para aqueles que querem sair da “eterna miséria”: “leia, ouça, escute, ache certo ou errado/mas meu amigo, não fique parado” e “esse é o meu ponto de vista, não sou um moralista/deixe de ser egoísta, meu camarada, persista/é só uma questão: será que você é capaz de lutar?/é difícil, mas não custa nada tentar”.

Duas curiosidades dessa música: KL Jay participa dos vocais e há uma referência indireta à queda do Muro de Berlim, ocorrida em 1989 (“se conseguiram derrubar uma muralha real, de pedra/você pode conseguir derrubar esta).

Muro de Berlim

3 – Hey Boy: o que um jovem pobre da periferia diria para um playboy, se tivesse a oportunidade? É isso o que essa música retrata, e Mano Brown vai bem ao mostrar a sua própria realidade e a responsabilidade que os ricos têm na formação da miséria dos outros.

Podemos detectar nessa música dois princípios que os Racionais seguem até hoje: a fidelidade à periferia e a pregação da não-violência, ao contrário do que muita gente entende ao ouvi-los.

Assim como em “Fórmula Mágica da Paz”, Mano Brown diz que não vai abandonar o “seu lugar”: “esse é o meu lugar, mas eu o quero mesmo assim/mesmo sendo o lado esquecido da cidade/e bode expiatório de toda e qualquer mediocridade”. 

No final da música, temos as “palavras finais” de Brown que resumem aquilo que o grupo pensa: “eu tenho todos os motivos, mas nem por isso eu vou te roubar”. Sim, eles acreditam que o “sistema”, a “sociedade capitalista”, os “brancos”, “os poderosos” são os culpados pela situação difícil que eles passam (ou passaram), mas resolvem seguir um caminho distinto do crime para vencer.Flavor Flav e seu tradicional relogiozinhoNão poderia terminar essa análise lembrando que o “boooooooy” do refrão é sampleado da parte cantada por Flavor Flav na música “Don’t Believe the Hype”, do grupo norte-americano Public Enemy. 

4 – Mulheres Vulgares: não dá para fugir. Em todos os discos dos Racionais encontramos uma música (ou parte dela) que fala do modo como as mulheres (ou algumas, para sermos justos) são interesseiras. Curiosamente, as letras são sempre do Edi Rock.

Não sei o que se passa na cabeça dele, mas creio que a sua maior preocupação é alertar os “seus irmãos” a tomarem cuidado nos relacionamentos (“não entre nessa cilada/fique esperto com o mundo e atento com tudo e com nada/mulheres só querem, preferem o que as favorecem/dinheiro, ibope, te esquecem se não os tiverem”).

5 – Racistas otários: se você é pobre, você está mal. Mas, se além de pobre, você for negro, a situação será pior ainda. É essa a tônica da música, ao ressaltar que “se analisarmos bem mais você descobre/que negro e branco pobre se parecem, mas não são iguais”.

Apesar de ser pouco conhecida, essa é uma das músicas mais contundentes do grupo: “preconceito eterno”, “o sistema é racista, cruel”, “os poderosos são covardes, desleais/espancam negros nas ruas por motivos banais” e “no meu país o preconceito é eficaz/te cumprimentam na frente e te dão um tiro por trás” são alguns dos versos que tratam da questão do racismo.

Além de lamentar a desinformação dos menos favorecidos e alertar que a polícia pode forjar um flagrante contra um homem de bem, Mano Brown é sensacional ao resumir em poucas palavras o triste imaginário do país de que “todo preto é ladrão”. “Enquanto você sossegado foge da questão/eles circulam na rua com uma descrição/que é parecida com a sua/cabelo, cor e feição/será que eles vêem em nós um marginal padrão?”.

6 – Tempos difíceis: esse rap apocalíptico de Edi Rock mostra que tudo que há de errado no mundo é culpa do próprio homem e “que aqui mesmo será pago”. Já que a discussão atual é o aquecimento global, que tal esses versos?: “destruíram a natureza/ e o que puseram em seu lugar jamais terá igual beleza/poluíram o ar e o tornaram impuro/e o futuro eu pergunto, confuso, como será?”.

Novamente, porém, há um recado para mudar a situação: “se algo não fizermos, estaremos acabados”. Enquanto os poderosos fingem não ver, “a saída é essa vida bandida que levam/roubando, matando, morrendo/entre si se acabando” (aliás, neste trecho o Edi Rock mostra porque é um dos que melhores cantores de rap do país).

Para finalizar, é bom ressaltar que nesta música há um sample de “Corpo Fechado”, de Thaíde & DJ Hum (“o meu nome é…”).

1 Responses to Especial Racionais MC’s – Holocausto Urbano: “A culpa é do sistema”

  1. JESSICA disse:

    AI MEU NOME E JESSICA,EU ADORO O RACIONAIS ESSES CARAS SÃO DE MAIS VIAJO EM TODAS MUSICAS DO RACIONAIS.
    GOSTARIA DE TE UMA OPORTUNIDADE DE CONHECELOS PESSOAMENTE
    VALEW FALOW UM ABRAÇO MANOS QUE DEUS ABENÇOE VCS CADA VEZ MAIS…….

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