O Corinthians alcançou a marca de 15 jogos invictos no atual Brasileirão: 11 vitórias e quatro empates, com 25 gols marcados e sete sofridos. Essa marca é muito semelhante a de outro time que marcou minha adolescência: o Timão do Brasileiro de 1993 que, em suas 15 primeiras partidas da competição, também chegou a 11 vitórias e quatro empates, mas com 30 gols pró e 10 contra.
Ser corintiano hoje está fácil, mas 24 anos atrás, às vésperas do Brasileirão, as coisas não eram brincadeira. O São Paulo era então o atual bicampeão da Libertadores e o Palmeiras acabara de ser campeão paulista e do Rio-São Paulo, ambos em cima do próprio Timão, acabando com uma fila de 17 anos sem títulos (e com um esquadrão montado com o dinheiro da Parmalat). O grande ídolo do time nos últimos anos, o meia Neto, deixara o clube para ir jogar na Colômbia (!), e o técnico Nelsinho fora treinar o Al Hilal, da Arábia Saudita. Com o comentarista Mário Sérgio chamado para ser treinador e o quarteto de jogadores contratados junto ao Mogi Mirim (Admilson, Leto, Válber e um tal de Rivaldo), a equipe iria em busca do bi nacional.
O Campeonato Brasileiro de 1993 foi sui generis: com 32 equipes, devido a um regulamento criado para alçar o Grêmio da segunda para a primeira divisão, a competição só começou em setembro (acredito que pelo calendário das Eliminatórias da Copa). E lá estava eu em frente à TV para ver a estreia do Coringão, contra o Cruzeiro, no feriado da Independência do Brasil. Antes de o jogo começar, os repórteres chamavam a atenção para dois atletas de 17 anos, um de cada time. Zé Elias, do Timão, fazia seu primeiro jogo entre os profissionais, enquanto um dentuço de cabelo curto chamado Ronaldo era a esperança de gols da equipe Celeste. No final, Corinthians 2 a 0.
A partir dali, acompanhei aquele time de perto. Ao todo, o Timão fez 20 jogos no campeonato, 12 deles na Capital paulista. Destas partidas, só não fui ao estádio em duas (vitórias por 2 a 1 sobre o Cruzeiro, na primeira fase, e sobre o Santos, na segunda), e em nenhuma o Corinthians saiu derrotado. Seguem abaixo as lembranças que tenho dos jogos que vi in loco:
São Paulo 1 x 1 Corinthians – “Ôôô, o Zetti é cheirador”
Era o segundo jogo do campeonato e, pelo que lembro, não foi lá muito emocionante. O que jamais esqueço foi o cruel grito da torcida corintiana no Morumbi para o goleiro são-paulino, que fazia alusão ao fato de o jogador ter sido pego no antidoping pelo uso de cocaína menos de dois meses antes, em uma partida da seleção brasileira contra a Bolívia, pelas Eliminatórias. Dias depois do episódio, ficou comprovado que ele tinha consumido apenas um chá de coca, bebida comum em La Paz para amenizar os efeitos da altitude. Mas, para a galera, o que importava era a brincadeira.
Corinthians 1 x 0 Flamengo – “Doutor, eu não me engano, o Casagrande é corintiano”
Corinthians e Flamengo estavam invictos e, para apimentar ainda mais a partida, era a primeira vez que o atacante Casagrande enfrentava o Timão, depois de anos na Europa. Enquanto se esperava um ambiente hostil para um dos jogadores ícones da Democracia Corintiana, o que se viu foi exatamente o contrário: a torcida acolheu Casão e fazia questão de lembrar seu amor pelo Alvinegro.
Por ironia, a bola do gol corintiano marcado por Rivaldo ainda desviou em Casagrande antes de ir para as redes. E, no ano seguinte, o atacante voltava para o Parque São Jorge.
Corinthians 2 x 0 Internacional e Corinthians 5 x 1 Bahia – dois jogos, festa de debutante e Bertioga no mesmo feriado
Ah, como é bom ser jovem! No dia 9 de outubro, um sábado, o Timão recebeu o Internacional no Pacaembu à tarde e lá estava eu no estádio com meu irmão. O time ganhou sem sustos e assistimos aos minutos finais quase na porta de saída, pois à noite teríamos uma festa de debutante.
No dia seguinte, fui à igreja pela manhã e, na sequência, descemos com uma turma para Bertioga. Com receio do trânsito, o grupo resolveu voltar na terça de manhã (feriado de Nossa Senhora de Aparecida) e pouco depois do horário de almoço estávamos em casa. Eu e meu irmão conversarmos e percebemos que dava para chegar ao Pacaembu a tempo de comprarmos ingresso e assistirmos à partida contra o Bahia, ainda naquela tarde. No caminho, conseguimos uma carona para parte do trajeto e foi possível ver todo o jogo, mas do tobogã. Valeu a pena o esforço: um show de bola do Coringão para cima do Tricolor baiano, que ainda descontou com um gol do atacante Marcelo Ramos.
Corinthians 1 x 0 São Paulo – “Mas eu não fiz nada!”
O Michael Jackson estava no Brasil para fazer dois shows no Morumbi pela Dangerous Tour e, por isso, essa partida foi marcada para o Pacaembu. E lá estava eu novamente no Paulo Machado de Carvalho com meu irmão, pela terceira vez em oito dias (aliás, revendo agora, a tabela do campeonato era ridícula: na primeira fase, o Corinthians iniciou com cinco jogos como visitante, para emendar quatro partidas em seu estádio). Curiosamente, este era um jogo considerado de alto risco pela polícia.
Era o quarto Majestoso que eu iria assistir no estádio no ano e, até então, não tinha visto uma vitória sobre o São Paulo (havia mais um jogo de jejum, se eu contar o primeiro confronto da final do Paulistão de 1991, Raí 3 a 0). Sair de lá com a vitória, com o único gol do volante Simão com a camisa corintiana, lavou a alma.
Na saída do estádio, percebemos que havia uma confusão distante de onde estávamos. Após um momento de hesitação, que incluiu bisbilhotar o que estava acontecendo, resolvemos seguir nosso caminho para casa, quando vimos uma multidão de corintianos correndo pelas ruas de Higienópolis. Na sequência, passaram duas viaturas em alta velocidade. Até que a terceira resolveu parar bem onde estávamos e o policial já saiu distribuindo borrachada.
Não sei quem já teve essa experiência, mas receber uma pancada de um cassetete às vésperas de completar 13 anos não é uma coisa muito agradável. Ele me bateu com a borracha na horizontal, de cima para baixo, na região dos glúteos. Eu praticamente fui jogado para cima e só deu tempo de gritar pela minha inocência. Saí correndo sem nem olhar para trás.
Chegando em casa, minha mãe percebeu que algo estava errado. Não tive outra alternativa a não ser contar a verdade e mostrar o vergão escondido embaixo da bermuda.
Ps. Esse foi o último jogo do zagueiro Marcelo Djian pelo Corinthians, como já havia comentado aqui.
Corinthians 5 x 1 Botafogo – Revanche com o amigo
Em 1992, o Corinthians perdeu a chance de se classificar para a final do Brasileirão principalmente devido a uma derrota sofrida na segunda fase, contra o Botafogo, no Pacaembu: 0 x 1, gol de Valdeir “The Flash”. E eu estive lá no estádio, lógico.
No ano seguinte, a situação era outra: o Timão era a sensação da competição, enquanto o time da estrela solitária sofria com uma das piores campanhas. O que se viu naquela tarde de 31/10 foi um passeio, com dois gols de Rivaldo, dois de Viola e um de Válber.
Minhas idas ao estádio eram, na maioria das vezes, acompanhadas do meu pai e do meu irmão. Nesse dia, porém, um amigo de infância estava lá para completar o grupo. Posso estar enganado, mas devia ser um dos seus primeiros jogos no campo. Não poderia haver dia melhor para ver o Coringão no Pacaembu.
Corinthians 2 x 1 Bragantino – De virada, sem o irmão
Poucas lembranças do jogo, só que foi de virada e que meu irmão, por alguma razão, não estava ali para comemorar junto comigo e meu pai. Aqui, foi possível ver que os dois gols de Válber foram de cabeça.
Corinthians 3 x 2 Santos – Gol do Zé da Fiel
Na primeira fase, o Corinthians foi arrasador. Terminou líder do seu grupo com sete pontos de vantagem sobre o São Paulo, segundo colocado, sendo que na época as vitórias valiam apenas dois pontos (em 1995, entrou em vigor no Brasileirão a regra da Fifa de três pontos por triunfo). Na era pré-pontos corridos, no entanto, isso de nada valia, pois o time teria de encarar uma segunda fase em um grupo com mais três equipes (Santos, Vitória e Flamengo), em turno e returno, para a mais bem colocada avançar à final.
Esse jogo era o primeiro dessa fase e o palco passaria a ser o Morumbi, já que o Pacaembu ficava pequeno para a massa corintiana nesses momentos decisivos. Os 45.970 pagantes assistiram a um primeiro tempo sem gols, mas tudo mudaria nos 45 minutos finais.
O Timão abriu 3 a 0 e o terceiro gol foi dele: Zé Elias. Esse foi um dos dois gols do volante com a camisa do Corinthians, e eu pude testemunhar tal feito. O que parecia mais uma vitória tranquila se tornou em um sufoco: o Santos marcou dois gols e só comemoramos com o apito final.
Corinthians 2 x 2 Flamengo – Tensão e “copada” no careca
O clima no Morumbi naquela noite de quarta-feira era muito diferente ao do jogo contra o Santos. Depois daquela partida, o Timão finalmente perdeu sua invencibilidade em uma derrota por 2 a 1 para o Vitória, na Bahia, e ficou no 1 a 1 com o Flamengo, no Maracanã. O time baiano liderava o grupo com cinco pontos, enquanto o Timão era o segundo, com três. Vencer o Flamengo “no jogo de volta” era fundamental para as pretensões de passar de fase.
Essa obrigação de vencer deixava a atmosfera mais tensa entre os torcedores. Antes de o jogo começar, porém, um breve momento de “descontração”: não lembro o motivo, mas a massa passou a encrencar com um careca que estava a alguns degraus abaixo de mim e do meu irmão (nesse jogo, meu pai não foi). Até que um copinho de papelão amassado, que partiu perto de onde estava sentado, acertou em cheio na mente brilhante. A galera foi ao delírio.
Quem comemorou, aproveitou. Depois que a bola passou a rolar, dava para sentir que as coisas não dariam certo. Marcelinho, que antes de virar o ídolo corintiano jogava no Rubro-negro carioca, abriu o placar (de falta, claro!). No segundo tempo, Tupãzinho empatou, mas logo Renato Gaúcho deixou novamente os flamenguistas em vantagem. Viola voltou a empatar na sequência, mas a equipe não conseguia o algo a mais para virar. O goleiro Ronaldo chegou a sair jogando com o pé algumas vezes, à la Higuita, para incentivar seus companheiros (e fazer uma média com a torcida, lógico). De nada adiantou: empate e a sensação de que a vaca começava a ir para o brejo.
Corinthians 2 x 2 Vitória: Sem próxima fase. No vestibular e no campeonato.
Apesar do empate contra o Flamengo, ainda restava uma esperança para o Timão ir à final: o Vitória também empatara na rodada anterior (contra o Santos) e o confronto direto, em casa, com o time baiano, poderia deixar o Corinthians na liderança. Era só vencer.
Não poderia ficar de fora desse jogo decisivo, só havia um problema: meu irmão iria prestar o vestibular da Fuvest como “treineiro” naquela tarde. Posso estar enganado, mas ele obrigatoriamente teria de ficar na sala de provas até as 16h, e o jogo estava marcado para as 17h. A solução era montar o esquema com meu pai para, em uma hora, sair de carro de Pinheiros até o Morumbi, a ponto de assistir à partida. Lógico que meu irmão foi o primeiro a deixar o colégio e fomos rumo ao estádio.
O plano traçado deu certo, só faltava agora o time corresponder. Como eram mais de 65 mil pagantes, tivemos de assistir ao primeiro tempo em pé, praticamente na “boca” da arquibancada. E o que vimos não foi muito legal: em menos de 10 minutos, o Vitória já vencia por 2 a 0. O primeiro gol, inclusive, foi “contra” do goleiro Ronaldo. Em uma falta de dois lances, Roberto Cavalo cobrou direto para o gol e o arqueiro encostou na bola antes de ela estufar as redes. Se a bola entrasse direto, o tento não valeria.
Rivaldo diminuiu ainda no primeiro tempo e o zagueiro Henrique, de cabeça, empatou no início da segunda etapa. Mesmo com 35 minutos para virar, a equipe não conseguiu superar o goleiro Dida e tivemos de amargar mais um empate, tornando remotíssimas as chances de o Corinthians ir para sua terceira final no ano contra o Palmeiras.
Remotas também eram as chances de meu irmão ter um desempenho bom no vestibular depois de fazer a prova em tempo recorde. Ele não passou para a segunda fase da Fuvest. Assim como o Corinthians também não avançou de fase, mesmo com uma vitória heroica sobre o Santos em seu último jogo.