Meus 10% de Morumbi para o Corinthians

maio 28, 2007

Descobri só neste sábado, horas antes do jogo, que o Corinthians completaria sua 500ª partida no Morumbi contra o Atlético-MG. Eu pensava que o Timão havia atuado mais vezes no Cícero Pompeu de Toledo, pois só eu acompanhei naquele estádio 58 confrontos do Alvinegro.

Sim, pode parecer coisa de maluco, mas eu tenho um arquivo com todas as partidas que vi do Corinthians no estádio. Meu retrospecto no Morumbi, percentualmente, não se difere muito do Timão: enquanto eu vi 22 vitórias, 20 empates e 16 derrotas, no total o Coringão conquistou 192 vitórias, 175 empates (já incluso o 0 x 0 contra o Galo) e 133 derrotas. Considerando três pontos por vitória, critério adotado pela Fifa somente em 1994, meu aproveitamento de pontos seria de 49,42%, sendo o do Timão no geral de 50,06%.

Abaixo, ao estilo de outros blogueiros como Marmota e Lello, vou fazer um top 5. A lista se refere a vitórias inesquecíveis que presenciei no Morumbi:

5º – Corinthians 5 x 2 Santos – Campeonato Paulista 1993 – A importância desse jogo é quase nula, pois era válido pela fase classificatória da competição. No entanto, naquele ano, o Timão estava bem e a equipe se destacava por comemorar os gols de maneira não muito convencional, principalmente por causa do Viola.

No primeiro tempo, o Corinthians abriu 2 a 0, com Moacir e Paulo Sérgio, mas logo no início da segunda etapa o Santos empatou com dois gols do desconhecido Neizinho. O susto durou pouco, pois Neto, aos 10, Adil, aos 21, e Viola, de pênalti, aos 37 minutos, decretaram a vitória corintiana.

Além do baile que o Timão deu, a maior lembrança que tenho foi a comemoração em um dos gols da equipe. Nela, os jogadores trombavam um no outro, de lado, fazendo uma dança para lá de esquisita.

Uh, Marcelinho!4º – Corinthians 4 x 0 São Paulo – Semifinais do Campeonato Paulista 1999 – Menos de um mês antes, o Corinthians havia sido eliminado da Libertadores pelo Palmeiras e o consolo foi disputar o Campeonato Paulista. Parecia que o time estava disposto a atropelar quem viesse pela frente e foi isso que aconteceu nesse dia.

Já falei no post sobre o Dida o quanto sofri na Era Telê, então ver o Timão golear o São Paulo era inacreditável. O Ricardinho abriu o placar no primeiro tempo, depois Dinei e Marcelinho, duas vezes, decretaram a vitória corintiana. Saí do estádio naquela tarde chuvosa não só com o corpo molhado, mas com a alma lavada.

3º – Corinthians 2 x 0 Palmeiras – Quartas-de-final da Libertadores 1999 – Essa é a famosa vitória com gosto de derrota. O Timão tinha perdido o primeiro jogo das quartas-de-final por 2 a 0 (eu estava lá) e na partida de volta precisava reverter o resultado. Até conseguiu, mas foi eliminado nos pênaltis.

Por mais que tenha sido uma eliminação dolorosa, preciso reconhecer que este foi o melhor jogo que eu vi no estádio até hoje. Os dois times jogavam muita bola e o resultado foi uma partida magnífica.

Uma lembrança dessa partida foi o antijogo praticado pelo técnico palmeirense, Luiz Felipe Scolari, que chegou a atirar bolas no campo quando o Corinthians descia para o ataque. Lamentável.

Rincón2º – Corinthians 2 x 0 Al Nasser/ARA – 1ª Fase do Mundial de Clubes 2000 – Eu estive nos três jogos que o Timão fez no Morumbi na conquista do Mundial de Clubes, e por pouco não fui ao Maracanã. A melhor partida, em termos de futebol, foi o empate por 2 a 2 com o Real Madrid, mas a vitória contra o Al Nasser foi a mais angustiante.

Para entender melhor o sufoco, a situação era a seguinte: antes da última rodada da primeira fase do Mundial, Timão e Real estavam empatados no primeiro lugar do grupo com quatro pontos. Então, o time espanhol ganhou do Raja Casablanca por 3 a 2 e, para se classificar à final, o Corinthians precisava bater o time árabe por dois gols de diferença.

O jogo começou complicado, pois logo no início o zagueiro João Carlos, contundido, foi substituído por Adílson. O meia Ricardinho marcou o primeiro gol aos 24 minutos, mas pouco tempo depois teve de sair da partida, também por contusão, dando lugar a Edu.

Com 1 a 0 no placar, o Corinthians jogava mal e não criava muitas chances de gol. Para piorar, o lateral Daniel, em sua estréia com a camisa corintiana, acabou expulso aos 23 do segundo tempo. Quando começava a ficar difícil acreditar na classificação, o time fez uma bela troca de passes e encontrou Rincón livre para marcar 2 a 0, resultado que garantiu a equipe na final contra o Vasco.

1º – Corinthians 1 x 0 São Paulo – Final do Brasileiro 1990 – Nunca estive em um estádio tão cheio em toda a minha vida: 100.858 espectadores, a maioria esmagadora de corintianos, compareceram ao Morumbi naquele 16 de dezembro de 1990.

Fui ao jogo com meu pai e meu irmão. Chegamos umas quatro horas antes de a partida começar e, se não me engano, era a primeira vez que sentava na então chamada numerada superior do Morumbi, setor laranja.

Tupãzinho nos braços da fielPara ser sincero, pouco lembro do jogo. Na época, tinha 10 anos de idade. Porém, quando o Tupãzinho marcou o gol da vitória, fiquei impressionado com a maneira como o meu pai se comportou naquele momento. Jamais o tinha visto comemorar um gol de modo tão efusivo, parecia até que ele teria um treco.

Na volta para casa, tive a infeliz idéia de ficar sacudindo um rojão em todo o trajeto engarrafado entre Morumbi e Pinheiros. Quando cheguei, fui mais infeliz ainda ao querer soltar o tal rojão: não me machuquei, mas apenas ouvi um barulho ensurdecedor e nada dos três tiros prometidos na embalagem.

Mesmo sem o estouro esperado, a comemoração continuou. Finalmente poderia dizer a meus amigos que o Corinthians não ganhava só títulos estaduais, pois era campeão brasileiro. Hoje, somos tetra.


Dois dos mil gols de Romário

maio 21, 2007

O Timão venceu ontem o Cruzeiro por 3 a 0, está entre os líderes do Brasileirão, mas tudo isso foi ofuscado pelo milésimo gol do Romário. Não tem como: por mais que estejam contabilizados jogos da categoria infantil, partidas canceladas, amistosos não-oficiais, etc., a marca do Baixinho é algo espetacular.romario-milesimo.jpg

Eu tive três oportunidades de ver, no estádio, o herói do tetra jogar. Em 2000, como entrava de graça nos estádios paulistas, fui ao Parque Antarctica acompanhar a vitória do Palmeiras por 1 a 0 sobre o Vasco, no segundo jogo da final da Mercosul (é, escolhi o jogo errado mesmo. Deveria ter ido neste). No ano seguinte, visitei o Rio de Janeiro pela primeira vez e, claro, não podia deixar de conhecer o Maracanã: Vasco 3 a 1 contra o Botafogo, com um gol do Baixinho.

O outro jogo foi no Brasileiro de 1999. O Corinthians estava uma máquina e começou o campeonato com sete vitórias consecutivas. Caso vencesse a oitava partida, contra o Flamengo, no Pacaembu, igualaria o recorde de triunfos seguidos do Atlético-MG de 1977 em um início de Nacional.

Eu não podia ficar fora desse jogo histórico, lógico. Pena que umas 40 mil pessoas pensaram o mesmo e quase que eu e meu irmão ficamos de fora do Pacaembu. Para se ter uma idéia, tivemos de assistir à partida em lugares diferentes do estádio.

Romário, sempre educadoBola rolando, e logo aos cinco minutos o Luizão faz 1 a 0 para o Timão. Seria barbada, pensei. No entanto, o Romário não se conformou em ficar como coadjuvante da festa e empatou com um golaço, aos 28. Sete minutos depois, a virada, com um gol de cabeça do Baixinho (clique aqui para ver os gols).

É tetraaaaaa!No segundo tempo, Luizão ainda perdeu um pênalti e o placar não se alterou: Flamengo 2 a 1. No final do ano, comemorei o tricampeonato do Corinthians, mas naquela noite eu tive de reconhecer a importância daquele atacante marrento, que tantas alegrias me deu na Copa de 1994.


Melhor Corinthians de meu tempo: Wilson Mano – Camisa 2

maio 18, 2007

Wilson ManoAcompanho o Corinthians de verdade desde 1990 e, de lá para cá, não tivemos nenhum lateral-direito que se destacou em sua passagem pelo Timão: Giba, Leandro Silva, Luiz Carlos Winck, Paulo Roberto, André Santos, Vítor, Ayupe, Rodrigo, Índio, César Prates, Daniel, Rogério, Coelho, Édson, Eduardo Ratinho e Marcos Tamandaré nunca foram protagonistas dos times em que jogaram. Diante disso, escolhi um curinga para vestir a camisa 2 do melhor Corinthians do meu tempo: Wilson Mano.

Não que o Wilson Mano tenha sido craque, mas ele realmente foi um símbolo da raça corintiana e, se não estou enganado, atuou em todas as posições do campo no Timão, com exceção do gol. Além do mais, entrou 408 vezes no gramado com a camisa do Corinthians, o que o deixa como o 15º jogador com o maior número de partidas pela equipe alvinegra.

Em sua primeira passagem pelo Corinthians, de 1985 a 1992, Wilson Carlos Mano conquistou dois títulos: o Paulista de 1988 e o Brasileiro de 1990. Nas duas ocasiões, ele foi decisivo para o Timão ficar com o troféu.

Vai buscar, Zetti!Na final de 1988, é ele quem dá o chute para o desvio do Viola no gol contra o Guarani, no Brinco de Outro. Em 90, Wilson Mano faz mais, ao estufar as redes, de joelho, depois de uma cobrança de falta de Neto na primeira decisão contra o São Paulo.

Na segunda partida da final (eu estava lá), seis minutos depois do gol do Tupãzinho, o Wilson Mano foi expulso (se não me engano, em uma confusão com o volante Bernardo do Tricolor, que também recebeu o cartão vermelho). Antes de o jogo acabar, porém, ele volta dos vestiários enrolado em uma bandeira corintiana e vai em direção da torcida, para delírio da Fiel. Essa é a imagem que eu guardo do jogador.

Após uma passagem pelo futebol japonês, Wilson Mano voltou para o Corinthians em 1994. Mesmo sem se destacar, ainda abocanhou o título da Copa Bandeirantes, marcando um dos gols da vitória de 6 a 3 sobre o Santos na primeira decisão. Com essa conquista pequena, o Timão conseguiu a vaga para a Copa do Brasil no ano seguinte, quando se sagrou campeão.

No tempo de hoje, em que raros são os jogadores que possuem identificação com um time, lembrar de Wilson Mano dá saudade. Espero que a equipe que inicia esse Brasileiro pelo Corinthians possa se inspirar nesse que foi um dos guerreiros do primeiro título nacional do Timão.

Fotos: Gazeta Esportiva


Síndrome de torcedor masoquista

maio 14, 2007

Ontem, o Corinthians estreou com vitória de 1 a 0 sobre o Juventude no Brasileirão, mas tenho a impressão que neste campeonato vou sofrer mais do que comemorar. Não que eu ache isto tão ruim, pois como comentei no último post sobre futebol, quanto pior está o time, mais vontade eu tenho de ir ao estádio para ver o Timão.

Essa síndrome de torcedor masoquista que tenho é coisa recente. Na década de 1990, ia ao estádio com meu pai e meu irmão mais velho e, na maioria das vezes, eram eles que propunham os jogos que assistiríamos. Deste período, minhas lembranças são mais positivas do que negativas, com a “Era Neto”, o timaço do Mário Sérgio de 1993, as comemorações extravagantes do Viola, os gols do Marcelinho e o Poderoso Timão de 98 a 2000.

O início dessa “disposição para o sofrimento” teve seu embrião em 1997, quando fiz questão de ir ao Morumbi ver o Timão ganhar do Flamengo por 1 a 0 e, dessa forma, dar um grande passo para se livrar do rebaixamento no Brasileiro. No segundo semestre de 2000, já munido da carteirinha da ACEESP, o que me permitia entrar no estádio de graça, o masoquismo ganhou ares mais cruéis: vi o Corinthians, matematicamente eliminado, empatar com o Boca Juniors por 2 a 2 pela Mercosul e, na famigerada Copa João Havelange, assisti a três dos muitos vexames do Alvinegro: 1 x 2 Juventude, 1 x 3 Fluminense (quando o Roger era Tricolor) e 1 x 4 Flamengo (o Alex, ex-Palmeiras, gosta de jogar contra nós).

No ano seguinte, quando o time patinava no Paulista, decidi acompanhá-lo e, dessa vez, me dei bem: 5 x 0 no Santos, o que foi o início da arrancada para o título (com Paulo Nunes e tudo). No Brasileirão de 2003, fui corajoso ao encarar a estréia do técnico Juninho Fonseca, depois de uma derrota de 3 a 0 para o São Paulo e a conseqüente queda de Júnior (depois de apenas dois jogos), mas não me arrependi: 3 a 0 na Ponte Preta.

Em 2004, o Corinthians namorou a zona do rebaixamento e, para variar, decidi voltar aos estádios. Vitória de 1 a 0 em cima do Criciúma (nem vi o gol, pois só consegui entrar no Pacaembu quase no intervalo) e um empate modorrento com o Internacional por 0 a 0 na semana seguinte.

Com os galáticos da MSI, também demonstrei minha fé ao comparecer no maravilhoso 5 a 1 sobre o Cianorte, depois do susto que o time passou no Paraná. Quando Tevez e Mascherano foram embora, no ano passado, vi o time sair da zona da degola ao vencer a Ponte Preta por 1 a 0.

Claro que gosto de ver a equipe bem e jogando um futebol envolvente, que atrai o torcedor ao estádio. No entanto, quando o time está na pior, tenho a sensação de que “o Corinthians está precisando de mim” e, por isso, “não posso abandoná-lo nesse momento difícil”. Quanto mais as circunstâncias se mostram complicadas, aí é que reafirmo minha fé no Timão.

Aliás, às vezes fico surpreso (e assustado) quando vejo que pareço acreditar mais em um bando de mercenários, pernas-de-pau e jogadores esforçados do que no Deus que enviou seu filho Jesus para trazer a salvação para a humanidade. Mas isso é assunto para outro post.


Especial Racionais MC’s – Escolha o seu Caminho: “A culpa também é nossa”

maio 11, 2007

O álbum “Escolha o seu Caminho”, lançado em 1992 e o segundo dos Racionais MC’s, poderia ser resumido em apenas uma palavra: reação. É isso que o grupo pede para a “geração iludida” que ouve suas músicas.Capa do disco que nunca ouvi

Se no disco anterior o inimigo é o “outro”, neste álbum os Racionais pretendem mostrar que os próprios negros têm culpa por deixarem a situação chegar a esse ponto. Em “Voz Ativa”, um trecho resume bem isso: “eu lamento que irmãos convivam com isso naturalmente/não proponho o ódio, porém, acho incrível/que o nosso conformismo já esteja nesse nível”.

O título do álbum também é muito representativo, pois deixa bem claro que, por mais que seja difícil a vida dos negros e pobres da periferia, eles podem lutar por algo melhor. “Você tem duas saídas/ter consciência ou/se afogar na sua própria indiferença/escolha o seu caminho/ser um verdadeiro preto, puro e informado/ou ser apenas mais um negro limitado” (Negro Limitado).

Neste disco, a questão racial é tratada de forma mais enfática do que em qualquer outro do grupo. “Racionais declaram guerra contra aqueles que querem ver os pretos na m… (desculpe, mas não pretendo escrever palavrão no blog)” e “precisamos de um líder de crédito popular/como Malcom X em outros tempos foi na América/que seja negro até os ossos, um dos nossos” são alguns dos versos que tratam do assunto.

Nelson MandelaÉ interessante notar o tom professoral que os Racionais usam nas duas letras. Por mais que Mano Brown diga “não quero ser um Mandela, apenas mais um exemplo” (Voz Ativa), é notório como ele e Edi Rock assumem o papel de voz dos excluídos e dão seus conselhos para serem seguidos.

Antes de entrar na análise de cada música, tenho de reconhecer uma coisa: eu nunca ouvi esse álbum. Porém, escuto há muito tempo as duas músicas que o compõem por causa de uma coletânea lançada pela Zimbabwe em 1994. “Escolha o seu Caminho” tem quatro faixas, sendo que as três primeiras são versões de “Voz Ativa” (rádio, baile e capela) e a quarta é a “Negro Limitado”.

1 – Voz Ativa: “Eu tenho algo a dizer, explicar pra vocês, mas não garanto porém, que engraçado serei dessa vez”. Se você não está acostumado com Racionais e mesmo assim reconheceu esses versos, parabéns! O Marcelo D2 copiou exatamente as primeiras estrofes dessa música em seu sucesso “Qual é?”.

Mas vamos deixar o plágio para lá e falar sobre o que interessa. Essa música serve como um despertamento para aqueles que estão “brigando por quase nada, migalhas coisas banais” e mesmo assim estão acomodados. Como diria o nosso presidente Lula, a idéia é fazer com que o povo levante o traseiro da cadeira.

Avessos à mídia, os Racionais indicam que a TV é uma das culpadas por deixar a população sem vontade de lutar. Mas o povo negro também dá sua colaboração para que isso aconteça. “O Carnaval era a festa do povo, era, mas alguns negros se venderam de novo…”, diz Mano Brown, autor da música junto com Edi Rock.

Vale destacar o fato de como o grupo pretende resgatar o orgulho negro e a auto-estima dos oprimidos. “Acreditarmos mais em nós/independente do que os outros façam/tenho orgulho de mim, um rapper em ação/nós somos negros sim de sangue e coração” é um dos trechos que ilustram isso.

É esta faixa do disco que traz um trecho criticando as “mulheres vulgares” (“mulheres assumem a sua exploração, usando o termo mulata como profissão”). Por fim, uma das músicas sampleadas para formar “Voz Ativa” foi “Givin’ Up Food for Funk”, da banda norte-americana “The J.B.’s”.Capa do disco

2 – Negro limitado: um diálogo de um negro consciente com um “negro limitado” é que forma essa música, uma crítica aos próprios irmãos. O objetivo é mostrar a saída para uma vida melhor (“cultura, educação, livros, escola”), em vez de cavar a própria sepultura (“crocodilagem demais, vagabundas e drogas”).

Por mais que critiquem o comodismo dos próprios irmãos, os Racionais também mostram que existe o desejo antigo dos racistas otários de acabar com os negros (“porque é a nossa destruição que eles querem, física e mentalmente, o mais que puderem, você sabe do que eu estou falando, não são um dia, nem dois, são mais de 400 anos”). E a polícia faz parte desse “plano de extinção” (“o boletim de ocorrência com seu nome em algum livro/em qualquer arquivo, em qualquer distrito/caso encerrado, nada mais que isso/um negro a menos contarão com satisfação”).

A arma para vencer a situação é a informação, que é “mais poderosa que qualquer PT carregada”. Edi Rock também sugere ao “negro limitado” que “mantenha distância de dinheiro fácil, de bebidas demais, policiais e coisas assim”. Quem seguir esse conselho “será temido e também respeitado, um preto digno, e não um negro limitado”.

Na parte musical, vale lembrar que KL Jay usa sample de Hood Took me Under, do grupo Compton’s Most Wanted.


Racionais na Virada termina em porrada

maio 7, 2007

Os três ou quatro leitores que conhecem este espaço sabem que sou fã de Racionais MC’s. Como morador do Centro de São Paulo, tinha totais condições de estar na Praça da Sé na madrugada do último domingo para acompanhar o show do grupo na Virada Cultural, mas decidi ficar dormindo em casa. Pelo visto, minha decisão foi acertada.tiro-da-pm.jpg

Já assisti a dois shows dos Racionais: um em 2001, no Millenium Rap, e outro em 2003, na quadra da Gaviões da Fiel. No Millenium Rap, apesar da desorganização na apresentação dos grupos, não houve confusão com o público. Na Gaviões, simplesmente foi o melhor show que eu vi na vida. Em ambos os casos, fui e voltei sozinho para casa, sem problemas.

Quando soube que haveria o show na Praça da Sé, nem cogitei a idéia de ir, mesmo com a presença da Nação Zumbi, outra banda que gosto. Misturar Racionais, 3 horas da manhã, Praça da Sé e, o que é pior, show de graça, boa coisa não ia dar.

Os Racionais não fazem apologia ao crime e muito menos à violência, como muitos pensam (eu queria falar sobre esse assunto no especial que estou fazendo sobre o grupo, mas tive de me antecipar). No entanto, os próprios fãs que “são carentes de educação e cultura”, como diz Edi Rock na música “Beco sem Saída”, não entendem dessa maneira.

Em Fórmula Mágica da Paz, quando Mano Brown diz “pode vir gambé, paga pau, tô na minha, na moral”, ele não propõe um confronto com a polícia, mas sim está falando, com outras palavras, “não devo nada para ninguém, muito menos à polícia (ou justiça)”. O problema é explicar isso para um grupo de adolescentes que “vão à escola para comer, apenas nada mais (Homem na Estrada)”, que mal conseguem interpretar um texto.

Essas pessoas são as mesmas que cantam, com orgulho, “Hoje eu sou ladrão, artigo 157”, pensando que esse é o tipo de vida que os Racionais sugerem para a periferia. Só esquecem que neste rap um bandido morre no final e Brown diz “não vai pra grupo não, vamos estudar, respeitar o pai e a mãe e viver”.

Não quero dizer que os Racionais não têm o público que merecem, mas infelizmente grande parte do público não os compreendem, ou pelo menos, não seguem o que eles recomendam. Junte-se a isto bebida vendida à vontade, polícia despreparada e a confusão está armada.

Em tempo: por mais que o restante da Virada Cultural tenha provado o contrário, continuo achando que é preciso ter muita coragem para ir a um show de graça. Obrigado pelo convite, mas eu não vou.

Foto: Mastrangelo Reino/Folha Imagem


Especial Racionais MC’s – Holocausto Urbano: “A culpa é do sistema”

maio 1, 2007

“Aqui é Racionais MC’s: Ice Blue, Mano Brown, KL Jay e eu, Edi Rock”. Essas são as palavras iniciais do disco “Holocausto Urbano”, o primeiro álbum do maior grupo de rap do Brasil, lançado em 1990. Os quatro nomes apresentados de cara ao público são os mesmos até hoje e eles continuam firmes no propósito de “sempre transmitir a realidade em si”.Capa do CD

É possível perceber nas seis músicas do disco de estréia a gênese do que será cantado pelos Racionais nas décadas seguintes. Todos os temas estão lá: violência policial, a falta de perspectiva de quem mora na periferia, conselhos para não seguir a vida do crime, o problema causado pelo preconceito racial e a, digamos, relação estreita entre mulher e dinheiro.

Em “Holocausto Urbano”, ficam claros os responsáveis por todos os problemas da periferia: o “sistema” e o egoísmo dos indivíduos. Na música “Hey Boy”, por exemplo, Ice Blue e Mano Brown cantam “o sistema é a causa/ e nós somos a conseqüência/ maior da chamada violência”. Já em “Tempos Difíceis”, Edi Rock diz que “o domínio está em mão de poderosos, mentirosos/que não querem saber/ porcos, nos querem todos mortos”.

Uma curiosidade deste álbum é a pouca referência à questão das drogas nas periferias. Se em “Sobrevivendo no Inferno” o crack e o pó ganham destaque, neste disco os entorpecentes são citados genericamente e só há uma alusão indireta à maconha em “Hey Boy” (“enquanto nós conversamos, a polícia apreende o fumo”).

Abaixo, confira a análise de todas as faixas:

1 – Pânico na Zona Sul: o pânico a que se refere o título da música é aquele causado pela violência, tanto a dos policiais quanto a permitida por eles (“e a polícia não demonstra sequer vontade/de resolver ou apurar a verdade/pois simplesmente é conveniente/e por que ajudariam se eles os julgam deliquentes”).

Essa violência precisa ser denunciada, e é isso que os Racionais pretendem: transmitir a realidade da periferia até a situação mudar (“quantos terão que sofrer pra se tomar providência?”). Mesmo descrevendo um quadro desesperador, eles dão uma dica sobre como sobreviver (“a mudança estará em nossa consciência/praticando nossos atos com coêrencia” e “honestidade nunca será demais/sua moral não se ganha, se faz”).

A letra é de autoria de Mano Brown, morador da Zona Sul do título, e a batida é sampleada do clássico “Funky Drummer”, de James Brown.

2 – Beco sem Saída: “às vezes eu paro e reparo, fico a pensar, qual seria meu destino senão cantar, um rejeitado, perdido no mundo, é um bom exemplo…”. Esse talvez seja o primeiro rap brasileiro a citar o hip hop como agente transformador da periferia, tema muito batido atualmente. 

O autor da música, Edi Rock, sabe bem o que diz. Antes de se tornar uma das mais importantes figuras do rap nacional, ele chegou a trabalhar como servente de pedreiro (confira esta entrevista). Com o sucesso do grupo, conseguiu fugir do “beco sem saída”.

 Assim como em “Pânico na Zona Sul”, mais uma vez temos sugestões para aqueles que querem sair da “eterna miséria”: “leia, ouça, escute, ache certo ou errado/mas meu amigo, não fique parado” e “esse é o meu ponto de vista, não sou um moralista/deixe de ser egoísta, meu camarada, persista/é só uma questão: será que você é capaz de lutar?/é difícil, mas não custa nada tentar”.

Duas curiosidades dessa música: KL Jay participa dos vocais e há uma referência indireta à queda do Muro de Berlim, ocorrida em 1989 (“se conseguiram derrubar uma muralha real, de pedra/você pode conseguir derrubar esta).

Muro de Berlim

3 – Hey Boy: o que um jovem pobre da periferia diria para um playboy, se tivesse a oportunidade? É isso o que essa música retrata, e Mano Brown vai bem ao mostrar a sua própria realidade e a responsabilidade que os ricos têm na formação da miséria dos outros.

Podemos detectar nessa música dois princípios que os Racionais seguem até hoje: a fidelidade à periferia e a pregação da não-violência, ao contrário do que muita gente entende ao ouvi-los.

Assim como em “Fórmula Mágica da Paz”, Mano Brown diz que não vai abandonar o “seu lugar”: “esse é o meu lugar, mas eu o quero mesmo assim/mesmo sendo o lado esquecido da cidade/e bode expiatório de toda e qualquer mediocridade”. 

No final da música, temos as “palavras finais” de Brown que resumem aquilo que o grupo pensa: “eu tenho todos os motivos, mas nem por isso eu vou te roubar”. Sim, eles acreditam que o “sistema”, a “sociedade capitalista”, os “brancos”, “os poderosos” são os culpados pela situação difícil que eles passam (ou passaram), mas resolvem seguir um caminho distinto do crime para vencer.Flavor Flav e seu tradicional relogiozinhoNão poderia terminar essa análise lembrando que o “boooooooy” do refrão é sampleado da parte cantada por Flavor Flav na música “Don’t Believe the Hype”, do grupo norte-americano Public Enemy. 

4 – Mulheres Vulgares: não dá para fugir. Em todos os discos dos Racionais encontramos uma música (ou parte dela) que fala do modo como as mulheres (ou algumas, para sermos justos) são interesseiras. Curiosamente, as letras são sempre do Edi Rock.

Não sei o que se passa na cabeça dele, mas creio que a sua maior preocupação é alertar os “seus irmãos” a tomarem cuidado nos relacionamentos (“não entre nessa cilada/fique esperto com o mundo e atento com tudo e com nada/mulheres só querem, preferem o que as favorecem/dinheiro, ibope, te esquecem se não os tiverem”).

5 – Racistas otários: se você é pobre, você está mal. Mas, se além de pobre, você for negro, a situação será pior ainda. É essa a tônica da música, ao ressaltar que “se analisarmos bem mais você descobre/que negro e branco pobre se parecem, mas não são iguais”.

Apesar de ser pouco conhecida, essa é uma das músicas mais contundentes do grupo: “preconceito eterno”, “o sistema é racista, cruel”, “os poderosos são covardes, desleais/espancam negros nas ruas por motivos banais” e “no meu país o preconceito é eficaz/te cumprimentam na frente e te dão um tiro por trás” são alguns dos versos que tratam da questão do racismo.

Além de lamentar a desinformação dos menos favorecidos e alertar que a polícia pode forjar um flagrante contra um homem de bem, Mano Brown é sensacional ao resumir em poucas palavras o triste imaginário do país de que “todo preto é ladrão”. “Enquanto você sossegado foge da questão/eles circulam na rua com uma descrição/que é parecida com a sua/cabelo, cor e feição/será que eles vêem em nós um marginal padrão?”.

6 – Tempos difíceis: esse rap apocalíptico de Edi Rock mostra que tudo que há de errado no mundo é culpa do próprio homem e “que aqui mesmo será pago”. Já que a discussão atual é o aquecimento global, que tal esses versos?: “destruíram a natureza/ e o que puseram em seu lugar jamais terá igual beleza/poluíram o ar e o tornaram impuro/e o futuro eu pergunto, confuso, como será?”.

Novamente, porém, há um recado para mudar a situação: “se algo não fizermos, estaremos acabados”. Enquanto os poderosos fingem não ver, “a saída é essa vida bandida que levam/roubando, matando, morrendo/entre si se acabando” (aliás, neste trecho o Edi Rock mostra porque é um dos que melhores cantores de rap do país).

Para finalizar, é bom ressaltar que nesta música há um sample de “Corpo Fechado”, de Thaíde & DJ Hum (“o meu nome é…”).